Thursday, November 30, 2006

Alteridade

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

Alvaro de Campos

Carpe Diem


Hoje, depois de um dia timidamente intenso e toldado de angústia, a esperança vestiu-se de verde.
De uma caixa mágica, também verde, saiu esta imagem. Este postal "gourmet" a convidar ao sossego e ao calor da casa.
O carpe diem dos dias cinzentos em breve verá abrir o laço do abraço o calor da tua companhia. E um sofá creme com gato amarelo dentro!
Obrigada, Jorge. Até lá.

Wednesday, November 29, 2006

Diário


Diário de Frida Kahlo
Há mulheres que sabem ser na vida o griito da vitória do amor sobre a dor e que não conhecem a palavra mesquinhez ou ressentimento. A arma secreta dessa vitória é forma como acolhem o Outro e o sabem amar. Numa dimensão inteira. Mesmo que a virtude raramente suplante o lado negro do humano. Dos que as habitam.

Tuesday, November 28, 2006

Para o Jorge

Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inlcusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida.

Clarice Lispector, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'

Lisboa


Lisboa apresenta-se em cada manhã
E é uma objectiva parcial que a capta.
Uns dias cidade sonhos
Noutros branca e fria
Como a pedra lioz qua a habita.

E, à medida que aportamos,
Desce a esperança e caminha a par
Com a angústia do não realizado
Inevitalmente; perpetuamente perspectivado.

Mas neste avistar contemplativo
O mudo e terno amanhecer das janelas ainda fechadas
Abre- se-nos ao espírito.
Em olhares fixos e fugidios
Ora sobre o Tejo e o infinito azul
Desafiador ao briho do sol que quer aos poucos impor-se.
Ora sobre a tua beleza, Lisboa
De cambiantes luz
Em altares brancos
Vestidos vida.

Monday, November 27, 2006

Avenida da Liberdade


De uma forma ou de outra
É Natal.
A avenida devendou-se hoje
Enfeitada de bolas azuis e prateadas
A iluminar bancos de miséria,
Lojas de luxo,
Transeuntes que passam
Alheios e presentes.
A descida até ao rio
Confirma o ritmo apressado.
Rostos preocupados
Sem festa na esperança...
E as mesmas luzes espreitam até ao rio
A vida da cidade
Turbolenta e inquieta
Desigual e indiferente.
Mas o ritual cumpre-se...
Porque é Natal.

Sunday, November 26, 2006

[...] A felicidade são momentos que no seu presente fugaz, são mais fortes do que todas as sombras, todos os lugares frios, todos os arrependimentos. Ser feliz em palavras que durante essa respiração beve, mudam de sentido. E nem a forma do mundo é igual: o sangue toma a forma de de luz, as pedras têm a forma de nuvens, os olhos têm a forma de rios, as mãos têm a forma de árvores, os lábios têm a forma de céu, ou de oceano visto da praia, ou de estrela a brilhar com toda a sua força infantil e a iluminar a noite como um coração pequeno de ave ou de criança. [...]
José Luís Peixoto, Uma casa na escuridão

Errância

Errancia
Dias prolongados sem horizonte, arco iris distante.
Rosa quebrada em piso incandescente
Eternamente velada no conter de um grito.
Um grito que não soa
Mas grita,
Grita.

Um grito que não ecoa
Mas em surdina
Leva palavra,
Gesto e tanto.
Ao tanto
Ao pouco que vida toldada
E fria
Desvenda aos poucos.
Os poucos tornados instante.

E és tu
Desvendas-te nessa surdina
Nessa errância
Que caminhando
Cumpro.

Thursday, November 23, 2006

Ausência



Esta ausência feita rio intempestivo
Sem barragem, margem,
Em rodopio
É torrente feita erro
É erosão sem margem
É navegar acidental
Num Norte sem geografia.

E entre perda e encontro
Que fazemos?
Se o navio onde embarcámos
Não cruza mais nosso rio?

Miragem


Entre o sopro frio
Que ostento
Mas não sou.

Entre aragem e vento
Que ambiciono
Mas não cumpro.

Resta o rumor
Que entre vento e ciclone
Veste ser.

Em impulsos quebrados
Mas com força de viver.
Numa toada de Outono.

Sou


Identidade errática
Resistente ao lugar comum
Aos que cruzo
E se arrastam no sistema,
Sem não na substância
Ou então talvez...

Rocha sólida
Isolada e só
Num espaço povoado
Mas estranho na matéria.

Sou tudo e nada...
Sou apenas.

Wednesday, November 22, 2006

?


"Eu não dei por esta mudança,
tão simples,
tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?"

Cecília Meireles

In Print

Um pouco mais de cor
Um pouco mais de além
Um pouco mais...

Um nada instante.
Agora.
Um tudo trânsito.
Trânsito!...

Entre pequenos absolutos
Desenhados nas cores intensas
Da tua paisagem.

Friday, November 17, 2006

Reprogramar




Eu gostava de ser como tu
Ser sal, brasa e sabor.

Eu gostava de ser como tu
Ser capaz de ir além
E mergulhar
Em olhares intenos
E acreditar...

Acreditar que mais além ainda existe
Um feitiço que mobiliza
Um recanto de êxtase

Reais materializados
Daqueles que se moldam nos sonhos
Uma vida que não temos
Mas que reprogramamos
Em cada saber olhar.

Friday, November 10, 2006

I still miss you










I still miss you

Anuncia-se em sons
Que o espaço etéreo materializa.

E tu continuas lá
Matéria e essência num espaço distante.

Entre lá e aqui
Pouco fica.
Fica o tempo
Que tece ausência
Sem limite.

Incomensuravel imenso
Que constroi o vazio
Da tua presença.

Fica o tempo que tece ausência
Sem limite.
Incomensurável imenso
Que constrói o vazio
Da tua presença.

Cavalgada











Trota e desliza
Cavaleiro andante.

Trota e galopa em trilhos ausentes

Em espaço errático
Em piso inconstante.

E busco o instante

E é o mundo aqui
Que me corta dentro.

Wednesday, November 08, 2006

Recadrer l' espace


Recadrer l'espace
Ignorar geometria.

Em cada partida.
A escrita entorna a linha
De tinta fingida
de linha esquecida

Caos alinhado.

Descontínuos
Vogal, consoante...
Geometria?
Reinvenção.

Pertinência
De uma escrita nova
Sem vogal contida.

Friday, November 03, 2006

Jota



Quantos rios de águas turvas
Correram nas nossas pontes.

Nesta travessia, neste trânsito
Onde facilmente se perde o pé
O que fica depois da erosão das margens?

Ficou a tua estrutura terna e doce
Um edifício de betão
Enviesado com mistura de sonho dentro.

Um carácter moldado
Ao sabor de agrestes marés
Correntes intensas, fortes…

Não, não merecias nada disto.
Não. Precisas clarear a água do rio que te trespassa
E resgatar a limpidez das águas,
Lançando na areia os dejectos que não prestam.
Uma torrente dura mas precisa.

Bruges















Em Bruges respira-se e vive-se um tempo calmo. Um tempo preservado na memória e nos espaços não adulterados pelo presente.

Aqui, presente e passado correm a par, animados pela torrente calma dos canais, cruzando-se em margens que não se encontrando, se respeitam, continuando embalados pela sonoridade dos sinos que, à maneira medieval, continuam a vivificar os espíritos.

Esta ambiência, ligeiramente tocada pela civilização mundializante (inevitável civilização) permite ao viajante respirar história e passear calmamente o espírito, banhando-o na torrente dos canais, observando os cines que bordejam as margens ou realizando incursões prospectivas por outras vidas, outras culturas, outras civilizações.

Para nós, especialmente para o Jorge, era já uma cidade de memória(s) (?). Difícil de avaliar ainda o peso e espaço que ocupam ou ocuparão os espaços e as vivências que ali teve.

Para nós o misticismo e a descoberta cruzaram um universo de sabores: um bom jantar com vista para a praça e algum desassossego que acontecimentos recentes materializaram. Um desassossego tranquilo.

Thursday, November 02, 2006

A importância do instantâneo. O prazer do imediato. O cumprimento do ego

Ser Ser inteiro e direito!

SIGAMOS O CHERNE !

Sigamos o cherne, minha Amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...
Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...

Alexandre O'Neill

Wednesday, November 01, 2006

Bruxelas



"(...) a cidade que eu não conheço, que você não conhece; são as ruas que nós não atravessamos, são os outros caminhos possíveis."Jorge Luis Borges


Não, não é uma cidade poética que nos encha a alma e nos transporte a multiplos caminhos possíveis, a visões semeadas pela diferença ou pela singularidade estetica.

Falta-lhe alguma luz, muita luz; falta-lhe o caminhar embalado pela surpresa que a descoberta das cidades tem. Alguma ausência de identidade visível no mosaico de culturas confinadas a espaços específicos. Um espaço multiplo onde basta caminhar para perceber a qualidade de vida ou o menosprezo social a que as cidades exclusivamente votam alguns.

É uma cidade de dispersão, ponteada por algumas zonas arquitectónicas de interesse e por sítios românticos onde se conservam memórias e costumes únicos.

Provavelmente estou a ser injusta. Bruxelas pode muito bem ser cidade que eu não conheço, as ruas que não atravessei, outros caminhos possíveis, como diz Borges.

Para mim foi quase uma cidade invisível, sem o tom que Calvino imprimiu às suas cidades invisíveis. Calvino baptizou todas as cidades com nomes femininos numa apologia à beleza e ao misticismo feminino.

Para mim Bruxelas foi viagem. Foi errância, busca, procura, muitas vezes interior. Citando Sofia, o meu espaço de saída e retorno consolida-se na errância.

E tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não-ser

SOPHIA DE MELLO BREYNER