Friday, August 25, 2006

NATO



Tanto mar

Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

Chico Buarque

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Jota














Passávamos, jovens ainda, sob as árvores altas e o vago sussurro da floresta. Nas clareiras, subitamente, surgidas do acaso do caminho, o luar fazia-as lagos e as margens, emaranhadas de ramos, eram mais noite que a mesma noite. A brisa vaga dos grandes bosques respirava com som entre o arvoredo. Falávamos das coisas impossíveis; e as nossas vozes eram parte da noite, do luar e da floresta. Ouvíamo-las como se fossem de outros.

Não era bem sem caminhos a floresta incerta. Havia atalhos que, sem querer conhecíamos e os nossos passos ondeavam neles entre os mosqueamentos das sombras e o palhetar vago do luar duro e frio. Falávamos das coisas impossíveis e toda a paisagem real era impossível também.

Fernando Pessoa, Livro do Desassosssego.

Hoje, os atalhos querem furtar-se ao ondear dos nossos passos que em breve não marcharão a par.
Como contornar a ausência do teu ser poesia?

Tuesday, August 22, 2006

Respirar, ó poema invisível!
Troca incessante e pura
entre o próprio ser e o espaço do mundo.
Contrapeso em que ritmicamente me aconteço.

Onda única
de que sou o mar gradual;
tu, o mais poupado de todos os mares possíveis,
ganho de espaço.

Quantos destes sítios espaciais estiveram já
dentro de mim. Ventos vários
são como filho meu.

Reconheces-me tu, ar, tu inda cheio de lugares
que foram meus outrora?
Tu, um dia casca lisa,
rotundidade e folha de palavras minhas.

RESPIRAR - Rainer Maria Rilke (1875-1926)


Errância

Não, não contarei mais.
A errância iniciada conhecerá contínuo.
Fuga, Ausência?
O movimento iniciado
Cumprir-se-à
Num longínquo físico cada vez mais distante...

Bruxelas. Canadá?

Ausência delineada na trama
Que o adolescer
Fez crescer em permanência.

E agora adulto
Não sei se ainda moras cá
Ou em que ponto te habito.

Sunday, August 20, 2006

Identidade


[...] Tenho quintas nos arredores da vida. Passo ausências de cidade da minha Acção entre as árvores e as flores do meu devaneio. Ao meu retiro verde nem chegam os ecos da vida dos meus gestos. Durmo a minha memória como procissões infinitas. No cálice das minha meditação só bebo o (...) do vinho louro; só bebo com os olhos, fechando-os, e a vida passa como uma vela longínqua.

Os dias de sol sabem-me ao que eu não tenho. O céu azul, e as nuvens brancas, as árvores, a flauta que ali falta - éclogas incompletas pelo estremecimento dos ramos... Tudo isto e a harpa muda por onde eu roço a leveza dos meus dedos.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego. [p. 293]

Cinquenta palmos de escrita


Faço-me de escritos
Em torrentes de reescrita
Onde invento [reinvento] o devir.
Fruição entre escolhos e sentir
Entre o dia feito luz poeira e passo
E o espaço onde cresce
Movimento, incerto mas perpetuo
Onde as tabelas classificativas
Têm métricas incertas
Sem medidas.
Onde cinquenta palmos de escrita
Apenas esses...
Enchem alma
De ânsia desmedida.

Tuesday, August 15, 2006

Escrita



Entre vigília e sono...
A inquietude das palavras.